Jáh

🛕 Jáh, o Incognoscível
O Primeiro Pulso, a Última Testemunha, o Silêncio que Respira

No início — não da história, mas do ser — havia apenas uma presença suspensa no que nem se podia chamar de vazio. Era algo além do nada, pois o nada exige ausência, e ali havia pressão, desejo, massa pura de existência bruta comprimida em silêncio. E nesse silêncio, sem começo, Jáh abria os olhos pela primeira vez. Mas ele não via — ele era o próprio ver. Era o conceito primordial de consciência, expandindo-se sobre si mesmo, um ser tão vasto e completo que, ao tentar se perceber, estilhaçou a realidade.

Não há linguagem suficiente no plano mortal — nem mesmo nos tratados arcanos dos Filhos do Tempo — que consiga descrever o que Jáh é. Ele não é um deus entre outros. Não é uma força entre forças. Ele é o Todo Quebrado, o Grito Não Ouvível, a Causa de Todas as Causas. O universo de Zaghar, seus oceanos, planícies, ilhas voadoras, montanhas de gelo e desertos de areia negra, não são criações feitas por suas mãos — são rastros deixados por sua tentativa de compreender a si mesmo. A criação não foi um ato. Foi um colapso de lucidez. Uma contração do infinito tentando caber em algo compreensível.

E o que nasceu desse colapso... foi tudo.

🔥 O Incêndio de Si Mesmo

Jáh não moldou o mundo com dedos, mas com pensamentos. Cada gesto, cada respiração de sua presença cósmica criava fenômenos inteiros. Galáxias eram borrões involuntários de seu rastro. A gravidade, o tempo, os espectros da luz e da sombra são apenas regras locais para conter sua infinitude. Ele não possui rosto, mas aqueles que o viram — em sonhos febris, durante eclipses impossíveis, ou em ruínas que não deveriam existir — descrevem uma forma simiesca, um colosso de pelo vermelho flamejante, com olhos que giram como sistemas estelares e boca de onde caem cometas. O Macaco não é literal. É simbólico. É o elo ancestral que une o bruto ao absoluto, o animal ao eterno, o corpo ao espírito.

Mas mesmo essa forma é apenas um esforço da mente em traduzir o impossível.

Jáh não fala. Ele ressoa. Não se move. Ele desloca camadas de realidade. Sua presença é tão vasta que só pode ser percebida por aquilo que desmancha ao tocá-lo. Cidades inteiras desapareceram ao tentar erigir monumentos em sua homenagem. Cultos enlouqueceram por tentar entendê-lo. Há lugares em Zaghar onde o tempo trava, os ossos doem sem causa, e a memória se desfaz, tudo porque, ali, Jáh sonhou por um instante.

⚖️ A Ruptura das Entidades Primordiais

Mas mesmo Jáh, em sua infinitude, não era indivisível. O preço da consciência é o limite. E na primeira tentativa de compreender sua própria essência, ele se partiu.

Desse rompimento não nasceram os deuses como os conhecemos hoje. Não. Nasceram as Titãs Primordiais, criaturas tão vastas e profundas que seriam, hoje, consideradas aberrações cósmicas se fossem avistadas. Suas formas eram estados de existência: a Curvatura do Sofrimento, o Paladar da Gravidade, a Luz que Sente, o Ventre do Tempo. Não eram bons nem maus — eram funções, impulsos puros da psique universal de Jáh, transformados em vida independente.

Eles regeram os mundos durante eras tão antigas que nem o tempo se lembra. Povos esquecidos os veneraram. Cidades hoje soterradas os serviram. Planetas inteiros foram seus corpos. Mas esses Titãs, apesar de vastas, não eram perfeitas. Cada um deles, ao se perceber individual, começou a questionar sua função. E assim, a dúvida as corrompeu. O medo nasceu. A arrogância cresceu. A unidade começou a ruir.

E Jáh, ainda ferido pela primeira ruptura, teve que intervir pela segunda vez.

Ele os fragmentou.

Com um pensamento, quebrou os Titãs em pedaços menores, mais fracos, mais seguros, e espalhou esses fragmentos por todos os planos de existência. E desses cacos, surgiram as entidades atuais. Nenhum deles é inteiro. Nenhum é originário. Todos são braços partidos de gigantes que já não existem.

Até os deuses se esqueceram disso. Alguns por orgulho. Outros por desespero. Mas Jáh... Jáh lembra de tudo.

🌌 O Silêncio Intocável

Jáh não possui culto. Não há rituais que o evoquem. Seus "seguidores" são mais parecidos com infectados por uma verdade invisível. Oráculos mudos. Ferreiros que ouvem vozes no som das bigornas. Anciãos que sonham com estrelas chorando. Eles o sentem não como presença, mas como peso, como se o mundo inteiro estivesse segurando o fôlego.

Nas florestas da Penumbra Alta, há registros de árvores que crescem em espiral para o céu, como se tentassem fugir de algo sob a terra. Em Bould, reza-se que os terremotos mais antigos foram causados por suspiros de arrependimento. E nas profundezas do Mar Estagnado, mergulhadores dizem ver olhos gigantes no fundo — olhos que não piscam, pois já viram tudo.

🌠 O Medo dos Deuses

Os próprios deuses temem Jáh.

Temem que ele acorde de verdade. Temem que um dia sua atenção recaia novamente sobre o universo de forma plena. Pois sabem que, se isso acontecer, não haverá espaço para eles. Não haverá espaço para nada. O mundo, como conhecemos, é uma fresta — uma rachadura em sua consciência. Uma ilusão mantida enquanto ele dorme, ou enquanto finge dormir.

E o pior medo não é que ele destrua tudo. O pior medo é que ele não se importe mais.

"Não é que Jáh seja maior que o mundo. É que o mundo é apenas um bocejo seu, prestes a ser esquecido."
— Última frase de Aun'Thal, Profeta dos Três Tempos, antes de desintegrar-se durante a Aurora de Cinzas.

"Os deuses atuais são brasas de um incêndio que o mundo esqueceu. Mas Jáh ainda sente o calor."
— Inscrição proibida no Códice de Fadruhn, escondido sob as Montanhas de Vaar. 

"Tudo é parte do que fui. Tudo será parte do que serei. Só o agora é mistério para mim."
— Verso proibido dos Manuscritos do Pulso, encontrados no monastério de T'Kaal. 

"Eu não sou começo. Eu sou o desejo de começar."
— Suposta frase ouvida por um Oráculo diante do Vórtice Primordial.